quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Teoria da Condescendência (i)

Ceder aos caprichos do tempo e do espaço que pulsa e nos empurra ao milênio seguinte cedendo ao caos medieval a que somos tragados dia após dia cedendo ao remoto desejo de sermos livres de tudo e de todos; caminhar pelas calçadas
imundas de paralelepípedos revoltosos de petit pavês escorregadios desviando ora de árvores secas e disformes como criaturas no laboratório de algum cientista maluco distante eternamente da sociedade científica moderna ora saltando os corpos metidos em farrapos encolhidos e fétidos com suas cabeças deitadas confortavelmente em garrafas de pinga ou em sacos plásticos com pães duros e sujos (como se isso não tivesse nada a ver conosco), ora desviando a cabeça das pontas metálicas ou de madeira de guarda-chuvas e sombrinhas em meio ao empurra-empurra sob as marquizes gotejantes e de repente ceder à curiosidade mesmo que dissimulada de acompanhar com os olhos com a cabeça com o corpo todo o som de uma freada nervosa queimando o asfalto úmido na ansiedade de ouvir o ruído do impacto metal-contra-metal e o inevitável xingamento às genitoras de ambas as partes lançando para todos os lados flechas e dardos irados e cegos na suspeita de danos irreversíveis e irreparáveis aos veículos e a constatação negativa desses danos cedendo ao descontentamento e ao desinteresse imediatos voltando ao caminho ínvio que nos puxa tenaz e impiedoso até uma esquina à espera de uma luz verde verde luz para alcançarmos a margem oposta desviando de um boeiro em erupção, e assim ceder a visão da metrópole doente que expele de suas entranhas pustulentas seus vermes raivosos que infectam os ambulantes mecanizados e os alienados de olhos vendados, cobaias entorpecidas de um futuro estagnado.

Um comentário:

  1. Uma das melhores coisas que O Fulvio fez foi me apresentar ao seu blog. Muito massa o que escreve... parabens!

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