segunda-feira, 19 de abril de 2010

Errar e saber onde pisar

Esta estória não conta: mostra...

...e ocorre quando o erro estava caminhando por um beco escuro e tropeçou numa lata de caviar vazia, que lhe disse, furiosa:

– cuidado! olhe por onde anda!
– eu não ando: erro.

a lata de caviar, tentando manter a dignidade que lhe restava, pôs-se a juntar alguns restos fugitivos da ova negra que espalharam-se pelo chão e que agora brincavam de esconde-esconde com os girinos em uma poça d'água refletida no neon.

– o que olhas?
– eu não olho: vejo.
– quem és tu, afinal?
– eu sou.
– você é? você não é. quem é é aquele ali. – retrucou a lata de caviar, perdendo daí em diante a sua fleugma e linguajar aristocrático, típico desses que são cheios de ovas, gases e outras iguarias intestinais.

e apontou para um velho poste de luz que os observava com gigantes olhos amarelos.

 aquele ali sim é. e dá medo. ainda há pouco eu estava prestes a ser devorada por ele, quando uma bela ratazana usando uma capa florida e perfumada salvou minha vida, empurrando-me até aqui. sujou-se um pouquinho a gentil criatura. pena que estava com pressa. um delicioso chá de pétalas de petúnias a aguardava num encontro de senhoras.

o erro, entendiado por aquela conversa de lata de caviar vazia, resolve continuar seu caminho virando à direita em um outro beco que acabara de aparecer por ali.

– não demore, disse o novo beco.

e, com um passo a frente de seus dedos nus, o erro virou à direita, deu mais um passo – a que o chão agradeceu – e parou. fitou o poste que o fitava e, com a maestria de um jogador de futebol exportado, chutou de calcanhar a lata para perto do poste que lançava seu feixe de luz amarelo ovo para todos os lados, em júbilo; dois pequeninos bracinhos socavam o ar, tamanha sua alegria.

perto. mas não tão perto quanto desejara, infelizmente. o poste, por mais que se esforçasse, por mais que serpenteasse seu corpo de aço galvanizado não conseguia alcançar a lata de caviar. arrastava-se, o umbigo já imundo, os pequeninos bracinhos esticavam as unhas que não tinham. no entanto, o poste continuava preso ao chão, que ria aos borbotões.

– ei! o que é que você fez? – redarguiu a lata de caviar tagarela, tremendo o dedo mindinho.
– errei. – respondeu o erro, que foi errar em outras paragens.

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