quarta-feira, 2 de junho de 2010

Dilema no biarticulado

Hoje, deitado na cadeira da dentista, de boca aberta ouvindo a broca perfurar um de meus molares, recordei-me de um momento curioso e, por que não, intrigante que presenciei no início da noite de sábado passado.

Estava eu – muito bem acompanhado – num tubo de biarticulado lá pros lados do Campo Comprido. Estávamos no tubo com mais um passageiro, um senhor beirando os cinquenta que calmamente comia pequenas bolachas de leite. O cobrador? Esse estava ao telefone, gesticulando bastante, fazendo um buraco no chão com o seu nervoso vai-e-vem.

É certo que eu tinha mais o que fazer ali do que ficar observando essas cenas rotinieiras. Mas se alguém aqui tem mania de olhar tudo ao seu redor, confesso, esse sou eu. Não havia como desviar a atenção: o homem que a pouco comia bolachas de leite, agora limpava seus dentes com esmero fazendo uso de fio dental.

O homem estava muito concentrado naquela tarefa. O som do fio dental quando puxado de entre os dentes era... eu jamais conseguiria descrever através de uma onomatopéia aquele som. Tentarei: Tec(molhado)!, tec(molhado)! Era irritante, pelo menos para mim. Não bastasse isso, o homem fez o favor de soltar uma bufa daquelas. Eu só pensava que o ônibus podia chegar logo para entrarmos e nos sentarmos bem longe daquele cara.

O ônibus chegou, finalmente. Entramos rapidamente no ônibus e nos sentamos. Ele tinha o perfil daqueles que gostam de esparramar-se nos assentos lá do fundo, então, ficamos próximos à porta. O cara sentou-se num daqueles bancos que ficam de costas para o motorista, logo a nossa frente. Depositou no assento contíguo sua mochila surrada (o que dava indícios de que o homem trabalhava naquela região, provavelmente em uma das diversas construções de edifícios residenciais de luxo que pululam por ali), pegou um telefone celular do bolso da calça do agasalho, abriu-o e começou a navegar pelo menu, coisa que dava para ver através do reflexo do display do celular no grande óculos de grau que o homem usava.

– Bom, pelo menos agora ele vai jogar algum joguinho no celular. – pensei, satisfeito.

O homem fechou o celular, guardou-o no bolso da calça agasalho, tossiu uma tosse pigarrenta umas duas ou três vezes e sacou do bolso da jaqueta do agasalho o fio dental embolado, esticou-o e voltou à tarefa profiláxia. Era o mesmo fio dental! Ele guardou no bolso o fio dental usado para reutilizá-lo! Aquele som irritante novamente, agora seguido da tosse pigarrenta. O homem com as pernas esticadas, vez em quando coçava o saco, tossia e voltava ao fio dental, olhava para fora e movia a boca como se estivesse mastigando algo, provavelmente algum resíduo retirado pelo fio dental. Gastuuura!

Quatro tubos à frente, um casal jovem entra no biarticulado. A moça usava um salto gigantesco e estava de porre. O rapaz que a acompanhava parecia estar arrependido de tê-la deixado beber tanto.

– Essa guria vai vomitar aqui. – pensei.

Todavia, o casal desembarcou do ônibus três tubos depois. A moça cambaleando, visivelmente embaraçada, o rapaz servindo de apoio àqueles passos desequilibrados, imprecisos. O homem continuava a limpar seus dentes com o fio dental. Resignado, olhei para minha bela companheira e disse baixinho:

– Não sei dizer se aquilo é anti-higiênico ou higiênico demais.

Ela me olhou sem saber do que se tratava. Apontei discretamente para o homem do fio dental, a que ela respondeu olhando pra mim com olhos ajabuticabados, encolhendo os ombros:

– É, é realmente um dilema.

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