terça-feira, 31 de março de 2009

Este ser palhaço

Desde a infância, vejo palhaços como figuras tristes, por vezes assustadoras. Nunca como uma figura divertida e alegre. Não freqüentei muito o circo, principalmente porque o circo quase nunca aparecia em minha cidade. Via espetáculos circenses pela televisão, naqueles programas de domingo. De todos os personagens dos circos — trapezistas, mágicos, domadores, malabaristas, dançarinos — os que menos me atraíam eram os palhaços. Nunca vi graça nas situações patéticas em que se metiam e sempre achei muito violento darem tabefes, chutes e safanões uns nos outros. Acredito que é um tipo de violência que as pessoas aceitam por serem representadas por sujeitos de rostos pintados, nariz vermelho, roupas multicoloridas e gestos infantis, que não podem ser levados a sério. Para mim, algo muito triste.

Por outro lado, nunca olhei para os palhaços como seres humanos. Era como se eles viessem do Planeta dos Palhaços, que fora destruído numa grande explosão, e que os afortunados sobreviventes do episódio catastrófico tivessem sido acolhidos aqui por donos de circo bondosos e generosos, dando-lhes, em troca de suas palhaçadas e brincadeiras cômicas, casa e comida.

Porém, acredito que há outro tipo de violência, entre as tantas existentes, e que considero terrorismo: o desemprego. Numa sociedade em que os valores morais estão ligeiramente abaixo dos valores materiais, não poderia ser diferente. E quando cresci, me tornei homem e me dei por mim, foi que descobri, entre outras coisas, que os palhaços não vinham do Planeta dos Palhaços, que os donos dos circos não eram assim tão generosos e bondosos e que suas palhaçadas não eram suficientes para serem trocadas por casa e comida. Eles também perdiam o emprego, também passavam fome, frio, também choravam.

Os palhaços passaram a ser ainda mais tristes para mim. Todavia, menos assustadores. Descobri que palhaços são pessoas como o homem que me tornei. E como esse homem, precisam morar em algum lugar, precisam comer, precisam dormir, precisam sonhar.

Encontrar palhaços pelas ruas da cidade hoje em dia não é nada difícil. Estão por aí às pencas, uns abandonados pelos circos do mundo, outros recrutados pelo circo da vida, tentando animar as pessoas com sorrisos coloridos e simpáticos, oferecendo bexigas em forma de animais para as crianças em troca de qualquer moeda, encarando olhares mal-humorados de pais e mães, pela abordagem muitas vezes inconveniente, e deliciando-se com os sorrisos das crianças, esse sim um alimento para a alma.

Os palhaços, como eu, estão se virando como podem para um dia, quem sabe, poderem fazer rir os outros em troca apenas de uma passagem para o Planeta dos Palhaços.

2 comentários:

  1. é, a vida é uma grande palhaçada!

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  2. Muito bom esse. Já me senti assim também...
    Bem vindo ao mundo real.

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