segunda-feira, 18 de maio de 2009

Distante domingo ensolarado

"Apenas mais um lance de escada". Uma fila quilométrica na escada rolante. As pessoas riem, divertem-se. Eu agonizo. Um domingo ensolarado lá fora à minha espera; céu azul e uma brisa outonal. Aqui dentro o oxigênio rareia para mim, respiro gás carbônico, respiro vitrines, respiro sorrisos vitrificados, respiro as navalhas afiadas da felicidade alheia. Cambaleio, sou empurrado para o turbilhão de gente que gira qual um redemoinho na entrada da escada rolante vertiginosa.

"Não posso mover meus passos por esse atroz labirinto", penso, quando sou involuntariamente sugado pela turba ao pé da escada. Entro na dança vacilante envolto pelas carrancas coloridas, entorpecido pelo perfume lancinante que exala daquelas criaturas afortunadas que sorriem e empurram e sorriem e apertam e sorriem e empurram. Absorto no empurra-aperta-sorri, percebo que meu pé esquerdo alcançou o primeiro degrau da escada rolante. Sou puxado para cima e, desequilibrado, consigo firmar meu pé direito dois degraus abaixo. Comigo, ocupando o mesmo espaço, sobe uma mãe baixinha – ela tem um de seus braços esticado, cruzando a minha frente, pressionando meu abdôme – segurando a mão de um infante que apóia o queixo no corrimão da escada, alheio a tudo.

Após uma ginástica hercúlea, conseguimos – eu, a mãe baixinha e o menino alheio –, nos postar em sítios individuais, cada qual em seu degrau. Foi aí que percebi que o cadarço do tênis do meu pé esquerdo estava preso nos dentes do degrau que havia me puxado para a escada. Sem poder me abaixar, levantei a perna tentando puxar o cadarço para fora da boca da escada. Insucesso. As tentativas seguintes foram desesperadoras e passei a ouvir o ruminar das pessoas a reclamar da minha agitação. Pedi ajuda, emudecido. A surdez generalizada me ignorou. Despontava no alto da escada, o gargalo.

Pensei em tirar o tênis do meu pé. Era um tênis novinho, não podia deixá-lo ali. "Vou tirar o cadarço", e comecei a tirar o cadarço do tênis novinho mas já era tarde e a escada emperrou quando cheguei ao topo. Saltei para fora da escada ainda com o pé preso a ela, que me puxava para si. Meu pé estava sendo esmagado pelo tênis, que rasgava. As pessoas passavam me olhando com suas carrancas coloridas, rugindo impropérios contra mim. Um segurança brutamontes se aproximou, ergueu-me pelos braços com tamanha força e o cadarço foi arrancado da escada rolante, que voltou a girar.

Meu tornozelo estava quebrado. Não podia tocar o chão. Desmoralizado e com o pé roxo, fui levado ao ambulatório do shopping center, três andares abaixo, longe do domingo ensolarado, mais uma vez.

Um comentário: