sexta-feira, 15 de maio de 2009

Profundas superfícies

Jaz sob as àguas escuras, em algum canto de um oceano qualquer, um abismo. Profundo, imerso, imenso, intenso de vida e morte, de solidão e coletividade, de criação, destruição, recriação, sorvedouro de verdades e mentiras.

Vacila sobre o mar, extensa como a esperança, a superfície. Tênue linha que separa dois mundos, oscilante, ondulante, rígida, frágil, espelho de céus e infernos, pavimento de verdades e mentiras.

Flutua na superfície do oceano abissal uma fina lâmina de papel colorido, amarelo-ouro, em que se pode ler em letras garrafais, essas vermelhas, a seguinte frase:

NÃO PISE AQUI!
VOCÊ VAI AFUNDAR!


Solitária, a fina folha de papel leva consigo uma verdade inegável que podemos constatar através da nossa insaciável curiosidade, previsíveis que somos.

Distinguem-se os de coração lânguido à beira do salto dos insensíveis, pois estes trazem em seus bolsos máquinas de calcular, prevenidos que são, para computar as probabilidades de aquele papel suspeito estar dizendo a verdade.

Há também ali os de corpo e mente polidos, brilhantes seres que reluzem em suas caras apertadas as perturbações e conflitos da mensagem impressa, revolvendo suas cabeleiras frondosas, pousando queixos esmerados em mãos flamulantes, dando cabo à contenda com uma floreada sentença:

"À FUNDURA DA CIRCUNSTÂNCIA A QUE NOSSOS TÃO PERSPICAZES CONHECIMENTOS FORAM POSTOS À PROVA, CONCLUÍMOS, COM ALTO GRAU DE CONVICÇÃO, QUE TAL MENSAGEM É DEMASIADA SUPERFICIAL PARA SER DADA A TAMANHA CONSIDERAÇÃO PELOS QUE POR ESTAS PARAGENS SE AVENTURAREM".

E partiram no estalar de um dedo.

Respeitando as palavras dos sábios entendedores do todo, os curiosos e os insensíveis deram-se por contentes e viraram as costas para a superfície, para o abismo e para a mensagem na lâmina de papel, que agora transmutou-se em um iceberg de verdades e mentiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário