quinta-feira, 14 de maio de 2009

Que coisa

Quem não sabe do que sabem as coisas? Todos sabemos que as coisas simplesmente sabem das coisas. Não sabemos? Eu sei. Não nasci sabendo; aprendi com o tempo.

Quem sabe das coisas do lado de cá são os poucos afortunados, que vêm de berços diversos, alguns acolchoados até os tetos, outros sem teto algum. Esses,os de berços sem teto, são os que mais sabem das coisas da vida sem nada. Não têm nada e sabem de tudo sobre o que é não se ter nada.

E, mesmo assim, não sabem de nada. São enganados pelos que, talvez, de fato, saibam de alguma coisa. Esses são os que sabem mexer os pauzinhos, não para remarem contra a maré, como aqueles que não têm nada e sabem de tudo. Esses são os que sabem lidar com a engrenagem burocrática da vida de quem possui coisas, e gosta de ter coisas e de dizer que tem coisas e que vai adquirir mais coisas ainda. Com muita facilidade, esses entendem-se melhores que aqueles que sabem de tudo e não têm nada. Se a vida fosse fácil assim, as coisas seriam diferentes.

As coisas é que são felizes. Sabem de tudo e nem sabem que sabem disso. Se eu pudesse escolher, eu escolheria nascer uma coisa. Poderia ser uma coisa qualquer. Qualquer coisa serve. Se for algo que sirva pra alguma coisa, então seria melhor ainda.

Para que uma coisa exista e, consequentemente, saiba das coisas, é preciso que se pense em alguma coisa. Uma coisa não existe espontâneamente. De alguma forma as coisas estão sempre presentes, conectadas umas às outras, tanto no passado mais remoto, quanto no futuro mais distante imaginável. Provo: como é que podemos afirmar que no começo de tudo não havia coisa alguma? A coisa alguma já estava lá mesmo não sendo nada. Alguma coisa havia lá sim.

Coisas sólidas, gelatinosas, melequentas, fedidas, cheirosas, feias, bonitas existem aos montes e co-existem conosco de forma até que pacífica. Estão todos os dias, o tempo todo ao nosso redor. Nos cercam, estão na nossa língua, em nossos olhos. Desde os furtivos que dizem "que coisinha aquela garota", aos estéricos que gritam "me dá logo essa coisa", e aos comunicativos polidos que dizem "qualquer coisa, me liga".

Se há um reino das coisas, o lema é "uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa". Os sacerdotes das coisas devem orar para as coisas todos os dias. As coisas devem encontrar-se em botecos de outras coisas e ficar algumas horas falando de muitas coisas. Ficam fazendo coisas o tempo todo e acho que é por isso que do lado de cá há tanta coisa.

São ávidas produtoras de coisas lá no reino das coisas. Produzem qualquer coisa. São individualistas, e as coisas funcionam como nas sociedades distópicas em que se produz coisas mais do que se pode consumir coisas. São felizes assim as coisas.

Infelizmente, não somos como as coisas. Temos tanta coisa pra fazer mas não temos a habilidade magistral das coisas para fazer coisas. Vai que é por isso que tem tanta gente reclamando da vida, do planeta, do vizinho: porque a gente tenta fazer as coisas, mas acabamos fazendo muita coisa ruim pra vida do vizinho no planeta. E o vizinho também faz a parte dele fazendo coisa alguma ou qualquer coisa.

A coisa tá preta do lado de cá e coisa alguma parece dar jeito nessa coisa que só cresce e se expande para todos os lados. E o pior é que não sabemos fazer coisa alguma para darmos um jeito nisso.

Que coisa chata...

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