quarta-feira, 3 de junho de 2009

Olhos cuidadosos em vidas expressas

Ela caminha graciosa pela manhã fria. Meus olhos fitando cada gesto enquanto o sol passeia pelos pequenos cachos castanhos, revelando reflexos ligeiramente escarlates. O cachecol multicolorido cobrindo o pescoço, desce seus braços de lã pelos ombros, acariciando os seios por cima da jaqueta marrom de camurça, aberta no peito, deixando à mostra o leve decote da camisa branca, o colo liso, as clavículas delicadas, a pele morena.

Parece flutuar sobre a calçada, o corpo todo num delicado balé.

Nos vemos há anos em condições como esta, ligeiras aparições quase espectrais em que nossos olhos se cruzam e trocam sorrisos, um ouvindo falar do outro, talvez à espera de conjunturas cósmicas que possam cruzar nossos caminhos, sempre tão paralelos e distantes.

Este é mais um desses encontros em câmera lenta que duram milionésimos de segundos e que...

Em meu caminho há um poste, que desvio por um triz em meu passo apressado rumo à estação tubo. Posso sentir um leve toque de realidade no ar, as coisas concretas tomando conta do tempo e do espaço ao meu redor e a leve sensação de preenchimento e perda.

Uma fila cinza me aguarda na estação tubo. Caras fechadas por detrás de quilos de roupas pesadas se arrastam para dentro do tubo de vidro. Cabeças dançando embaladas por fones de ouvidos, bocas que cantam melodias silenciosas, dedos passeando por páginas que olhos atentos consomem, jovens sonolentos uniformizados bocejando ares púberes seguidos de senhoras sexagenárias lamentando o peso do tempo nas juntas congeladas; ao fundo, os rumores de mais u'a manhã fria da cidade e o som rude da catraca esvaziando a fila.

Mais um ônibus aporta na estação tubo e se vai lotado pela via expressa. Sem mim.

À minha frente, já na catraca, uma mulher com criança de colo busca em sua bolsa o cartão transporte enquanto desponta na esquina um novo gigante vermelho, roncando e indicando seu caminho em letras luminosas. A excitação toma conta da fila sinuosa e um empurra-empurra tem início. A mulher com criança de colo finalmente tem o cartão transporte em uma das mãos e o cobrador a ajuda a passá-lo. Contudo, o empurra-empurra não cessa e torna-se insistente enquanto tento passar meu cartão transporte no leitor digital, que o rejeita da primeira vez, e o aceita na vez seguinte, tarde demais para evitar o grande empurrão que me joga para dentro do tubo, desequilibrado.

Esbarrando nas pessoas, vou de encontro a uma coluna divisória dentro da estação e choco minha canela com uma lixeira que quase vira. Um leve desconforto atrai minha mão direita até a canela, seguida da clássica fricção simbólica sobre a área atingida pelo impacto e a onomatopéia monotônica da dor.

Ereto, percebo olhos castanhos me fitando e um sorriso doce em lábios róseos. O rosto singelo iluminado pelo sol tímido que penetra a estação tubo, suspenso no cachecol multicolorido de outrora. Retribuo o sorriso à altura e a resposta dela vem num tom melodioso, uma flauta doce tocada aos pés de uma cachoeira numa tarde quente de verão.

– Quando você se casar comigo, sara.

2 comentários:

  1. Adorei!!!! Você é muito inteligente , tem muito talento e conhecimento de tudo aquilo que fala e ou escreve , meu querido. Parabéns!!! Tia Suili

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